Toda revolução nasce de um radical dentro do contexto que está inserida. Mudanças religiosas, políticas e sociais aconteceram, ao longo da história, graças a pessoas que tinham ideias opostas ao status quo e as levaram ao extremo. Talvez a maioria só concorde com alguns pontos levantados por esses extremistas, procurando manter o equilíbrio entre o que já conhecem e o que lhes é apresentado. Mas esses, os "da ponta", é que são responsáveis por fazer a mudança acontecer efetivamente, até que a próxima geração traga perspectivas completamente diferentes e, de igual modo, radicais.
Os computadores podem ter começado como projetos de auxílio de cálculos matemáticos, como foi o caso do Z1 de Konrad Zuse. Mas depois que o mundo se acostumou com a revolução computacional e o avanço das máquinas, precisávamos de algo mais radical.
É aí que entra Mark Weiser.
Weiser foi um homem que não se contentou com status quo dos computadores. Em seu artigo The World is not a Desktop, que eu consideraria de um manifesto da ubiquidade, ele desenvolve o que seria o maior sonho inconsciente de qualquer usuário de tecnologia: a própria ubiquidade.
Pausa.
Ubiquidade, segundo o dicionário Michaelis:
ubiquidade
u·bi·qui·da·de
sf
1 Qualidade do que está ou existe em todos ou em praticamente todos os lugares.
2 Caráter ou propriedade de um ser que dá a impressão de estar presente em vários lugares ao mesmo tempo: “– Um momento! Não tenho o dom da ubiquidade nem o da onisciência. Nem o próprio prefeito sabe de tudo quanto se passa na sua delegacia” (EV).
3 TEOL Um dos atributos exclusivos de Deus, pelo qual Ele está concomitantemente presente em toda parte.
SIN: onipresença.
Retomando.
Mark foi um radical. Enquanto todos procuram fazer um computador que se assemelhasse a um ser humano, ele discordava. Enquanto produziam-se computadores visualmente atrativos, ele discordava (sim, a Apple já existia). Enquanto intensificavam-se pesquisas na área de realidade virtual, ele, mais uma vez, discordava. E o fazia por motivos bem simples.
Para Weiser, "uma ferramenta boa é uma ferramenta invisível", ou seja, que não afeta o consciente. Todas as tecnologias citadas acima e seus desenvolvedores, segundo ele, enalteciam a própria ferramenta, o que a torna mais visível. A partir do momento em que há a autoglorificação do meio e não o foco no resultado, então não existe uma boa ferramenta.
Um dos comentários mais interessantes desse texto é sobre realidade virtual. Em uma era na qual ela está sendo vorazmente desenvolvida, é um gozo encontrar alguém que nos apresente outra perspectiva. Na realidade virtual, o usuário é levado para uma realidade não real (por isso, virtual), na qual ele adquire controle sobre diversas variáveis. Contudo, a onipresença tecnológica deveria acontecer em nossa realidade, sem a necessidade de tampões nos olhos e a submersão em outro ambiente. A ferramenta deveria melhorar a experiência com o mundo, e não deixá-lo para trás.
O mundo não é uma área de trabalho porque nossas experiências não podem ser resumidas sob o topo de uma mesa. O que eu creio que Mark se referia nesse texto é à amplitude que a tecnologia computacional pode e deve tomar dentro de nossas vidas, sem ser notada, da mesma maneira que nossa vida é ampla e nós não saímos listando experiências no exato momento em que elas acontecem. Por isso, o computador deveria ser configurado, visualmente e até internamente, de outra maneira. Essa maneira é o que nós ainda não descobrimos.
Tom Kelley, gerente geral da IDEO, em seu livro "As 10 faces da Inovação", dedica uma sessão inteira para definir o Experimentador e, da mesma maneira que Weiser, compara seu comportamento explorador com o de uma criança que está constantemente aprendendo. Talvez o atraso da ubiquidade seja justamente porque estamos nos condicionando aos atuais modelos computacionais e não procuramos de fato soluções fora do modelo. Talvez estejamos precisando de uma nova revolução tecnológica. Talvez não estejamos preparados para a onipresença computacional.
Não acho que deveríamos descartar todos os desenvolvimentos atuais, por menos ubíquos que eles sejam. A experiência do usuário pode ocorrer de várias formas, principalmente visíveis; a ferramenta pode se tornar o destaque quando, a partir dela, uma tarefa se torna mais prática. Mas, enquanto voltarmos nossos olhos exclusivamente para o protagonismo instrumento e não do resultado, não conseguiremos alcançar a ubiquidade integral. Ou então esperamos o próximo movimento radical ir contra ela.